terça-feira, 26 de abril de 2016

Em órbita



Antes eu queria chegar aos fins logo de saída, mas tenho mudado, não vou direto ao assunto, pois agora cuido de enxertar histórias paralelas e só tomo a iniciativa depois de um enorme cruzamento de dados, com rigor científico, baseado em experiências e teorias. Sou um novo homem.

É um trabalho penoso e longo. Não se decide numa festa, só com olhares e conversas, sob o som nas alturas. Requer tempo. O último durou quatro meses. A primeira tarefa é ouvir. Deixe-a falar e só a interrompa se tiver algo grandioso em mente. Algumas não gostam de interrupções mesmo nesse caso, ou especialmente nesse caso. Por quê? Porque eu passaria a ideia de estar pensando na próxima frase – ao invés de prestar atenção a ela. Portando, atenho-me apenas à história da moça, sem esboçar qualquer trejeito sugestivo, gracioso; comporto-me como se estivesse em sua história, dentro, no meio, observando calado e vigilante qualquer movimento dos personagens e das coisas.

Depois, chega a minha vez. Antigamente, antes de aprender isso, eu teria entrado com outra conversa. Não. Tenho um repertório de perguntas, sinceras e pertinentes, capazes de fazê-la falar mais ainda, revelando, desta vez não apenas o conteúdo, mas também a forma, seu jeito de contar, uma imensa alegria em contar, o risinho mais lindo deste mundo. Mas não mostro entusiasmo. Estou vidrado nas descrições detalhadas de seus casos passados e de suas aventuras nas savanas, em seus tempos de leoa.    

Haverá o meu momento. Ainda não o momento do espírito da carne, nenhum sinal nesse sentido, mas a hora de mostrar meus predicados de forma vendedora, com pegada, como dizem, e salpicar sobre o conjunto umas tiradas de bom humor e citações obscuras. Aprendi a não ser pedante nem humilde, nem carente nem metido, e aprendi que é possível enfiar um Spinoza aqui e acolá com naturalidade e jeitinho, vocês precisam ver. 

No meio do caminho, no entanto, posso descobrir que não vale a pena.Não a pessoa, mas nossa junção e seus desdobramentos. A causa? A possibilidade de conflitos e ciúmes, paixão exacerbada e finalmente o trágico momento da separação. Às vezes, nessas horas, penso em ir embora, nunca mais voltar, encerrar aquilo que ainda não é quase nada. Pressinto o problema. Só que não saio nem me resolvo, porque ela atrai e repele ao mesmo tempo, e entro em sua orbita, girando nas histórias; a atenção sincera, sem planos, apenas o giro em torno dela, na distância requerida. 

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