quarta-feira, 29 de julho de 2015

Turismo Paralelo



Chegamos às 6h30, como previsto, mas a hora pouco importava porque não havia mais tempo nem espaço. Quer dizer, mais ou menos, pois cada viajante pode criar horário e ambiente de acordo com sua preferência e imaginação. Portanto, para quem gosta de destinos exóticos eis o melhor de todos. Literalmente no meio do nada e regido por regras desconhecidas - ou regra nenhuma –, o novo paraíso turístico, com sua poderosa gravidade, tem atraído tudo que passa por perto e às vezes por longe também. A maioria chega sem precisar sair e some do jeito que apareceu, num piscar de olhos ou menos.

Tudo pode acontecer por aqui, inclusive coisa nenhuma, mas neste caso a possibilidade é muito pequena, mais ou menos uma em mil trilhões. Antes do embarque o cara da agência de viagens nos preveniu que não estávamos indo para um lugar. Estávamos indo para uma situação. Até há pouco tempo, isso só existia em teoria, numa equação, e agora estamos aqui, junto com um grupo de turistas, em busca de diversão e respostas.

Diário

Não trouxemos malas, nem precisamos delas. Guardamos tudo na memória. Falar nisso, por uma singularidade ou coisa que o valha, malas de todas as cores, aos bilhões, entraram numa certa órbita, como uma interferência ou demonstração de hospitalidade. Só não conseguimos pegar uma das malas – são bilhões – porque elas não têm massa. As malas não estavam na equação – vai ver que é isso.

Acordei – ou algo parecido em minha precária simulação de tempo – e não senti as pernas. Não só as pernas. Minhas mãos não tocavam qualquer textura, em mim ou fora de mim, embora eu fosse capaz de enxergar coisas muito pequenas, teóricas, que podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo, assim como Deus e o elétron.

Difícil é reunir o grupo. Um dos nossos tornou-se uma figura insubstancial, quase um fantasma, e só dá as caras quando bate numa dobra do espaço-tempo. Então ele explode, mas no segundo adiante está recomposto, em teoria, conforme os cálculos do funcionário da agência, cuja existência foi comprovada precisamente pelo rastro de seus cálculos. Nunca foi visto em pessoa; é uma função de onda ou coisa parecida.

Relacionamentos sociais são muito fluídos, escorrem, acendem e somem. Festas confusas. O mesmo homem passa pela mesma porta, como num loping, e ninguém liga. Não é esnobismo; o sujeito sempre esteve ali, naquele número, e desde quando nem ele sabe. Sem contar o pessoal que vai embora antes de chegar.

Aqui, pelo menos em tese, qualquer um pode encontrar-se consigo mesmo. O segredo é tratar o outro você como um desconhecido. Ele fará o mesmo e pode até passar através de seu corpo sem causar um único arrepio. Não sei quem combinou essa história, mas funciona.

Talvez existam, mas não detectei a presença de pele, gosto e cheiro. Nem pensar em carne, sangue e suor. As pessoas daqui são muito discretas.  

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