quarta-feira, 15 de julho de 2015

A trincheira



Estamos entrincheirados aqui há alguns dias, esperando mantimentos e notícias, enquanto o fogo arde lá fora, nas ruas e ruelas, formando uma nuvem fedorenta, como numa sequência de peidos enxofrados do cão dos infernos. Um pequeno avião, alugado ao aeroclube, jogou merda sobre a cidade na falta de munição mais adequada em nossa guerra municipal. Mas não sei se a aeronave é nossa ou do inimigo, pois o pior deste conflito é a indefinição dos personagens envolvidos e sua dubiez sobre as causas que nos movem ou que deveriam nos mover. Quase sempre pequenos desacordos entre aliados terminam provocando novas divisões, às vezes atritos sérios, e por isso a constante troca de alvos, com tiros em inúmeras direções. Quando faltam balas, chegam insultos e pedradas.  

Se temos um comando, o comando muda com frequência, e quando não mudam as pessoas, mudam as ideias em relação a quase tudo. Ordens e contraordens podem chegar num mesmo momento - umas para atacar, outras para retroceder, sem contar os boatos sobre acenos de paz ou recrudescimento das escaramuças, coisas inteiramente contraditórias que influem no moral da tropa, principalmente nesta, tão maltrapilha.
Mesmo assim, procuramos seguir nossas convicções no pequeno grupo da trincheira, embora muitos já não saibam por que estão em luta - e contra o quê e quem. Somos movidos pelo desejo de mudar de uma situação para outra, em defesa de nossos ideais, ou somente pela raiva de quem atirou na gente ou gritou de longe algum disparate?  Seja como for, os nossos ganham vida e acendem-se suas chamas revolucionárias quando as balas, mesmo fraquinhas, sibilam sobre nosso território. Se alguma dúvida nos assalta, se nos somem explicações grandiosas para estarmos ali, na trincheira, tratamos de encarar a simples realidade de que eles estão contra nós vice-versa.

O certo é que não pretendemos recuar até que o problema seja resolvido pelas armas ou por uma negociação justa, boa para o nosso lado, de preferência, ou para os dois, caso os negociadores, se existirem, como dizem, estejam se movendo nesse sentido.


Seguimos, mas falta tudo nesta infantaria precária, nesta Guerra Civil Espanhola em escala microscópica, cujo início se deu por divergências políticas em nossa terra, envolvendo governo e oposição, o prefeito e seus adversários, o pastor da Igreja de Barrabás e o juiz da comarca. Não é a conflagração que sonhávamos em nosso devaneio revolucionário. Sonhávamos com obuses, fogo pesado, adesões internacionalistas e ideologias em jogo. Talvez até alguns escritores. Cadê? Nosso equipamento mais pesado são rojões do São João passado, comprados no interior Bahia, e revólveres de calibre 22, da feira de Campina Grande. Mané, o Ruivo, por exemplo, nunca deu um tiro na vida. Está encarregado de limpar a merda jogada pelo teco-teco supracitado e eu dou as diretrizes para uso exclusivo da trincheira, como se tivesse numa batalha épica, em Omaha ou na Catalunha, tragando um Gitanes sem filtro, lubrificando meu fuzil-metralhadora russo e mudando o rumo da história, pelo menos um pouquinho.  

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