quarta-feira, 10 de abril de 2013

Maria Alice


Espero tudo de Maria Alice, menos fidelidade. Não sei por que aceitei o casamento em regime semiaberto, invenção dela, nunca tinha ouvido falar disso. Já são quinze anos de vida extraconjugal da minha mulher, enquanto aguento comentários desagradáveis e politicamente incorretos. Meu bairro ainda é assim, atrasado, pessoas traídas são duplamente massacradas: pela traição em si e pela fofoca. Maria Alice não diz nada. Só lembra que topei o semiaberto. Lá vai ela, saiu de novo.

Antigamente eu ainda perguntava para onde ela estava indo, toda produzida, e porque minha presença naquela noite era dispensável. “Não quero chatear você”, ela respondia. Mais tarde, a notícia chegava: Maria Alice saiu com sicrano, beltrano, ou mesmo beltrana, sicrana, não havia discriminação. Quando voltava para casa, ela corria para o quarto, trancava a porta e ficava lá, amuada, como se fosse a vítima da situação.

- Maria Alice! – eu batia na porta.

- Vá embora. Sei o que você está pensando

Eu voltava para a sala – o que se há de fazer? Entendia Maria Alice. Ela sempre teve uma visão muito diferente do sexo. Havia o sexo componente do amor e o sexo pelo sexo, como um exercício diário, necessário e saudável, segundo ela. Mas ninguém percebe as coisas desse jeito. Virou a vagabunda do bairro; eu virei corno. Sinceramente, acho uma simplificação dos dois lados, mas não quero contrariar minha mulher nem entrar em confronto com a vizinhança.

Maria Alice já teve diversas oportunidades de me explicar com funciona sua cabeça em relação ao sexo. O regime semiaberto já é uma concessão, pois se dependesse dela não haveria restrições. “Ao contrário dos animais, estamos permanentemente no cio”, teorizava ela, em algumas horas de verdadeira e imensa paixão. “A vida é curta para se transformar uma trepada avulsa num Deus nos acuda”. Com o passar dos anos, a infidelidade de Maria Alice ganhou sustança filosófica. “A sexualidade é essencial à existência humana, não só pelo fato da procriação, mas antes de tudo pelo bem estar do individuo”, dizia ela, citando Bertrand Russell.

Eu acho uma gracinha a fase intelectual de Maria Alice. Minha situação é complicada pelos outros. Por ela, tudo bem. Nosso sexo é por amor. Maria Alice pode dar suas saídas, contanto que volte. Minhas humilhações, nesse eterno retorno, são substituídas por um raciocínio comum: a realidade é esta e se continuo nela é porque quero. Eu quero.

Maria Alice e seu passado bem vivido. Sempre foi daquelas que dividem apartamento, uma eterna roomate. Quando a conheci, tinha sido expulsa de uma dessas moradias coletivas por traçar praticamente toda a comunidade, criando desavenças, ciúmes e inimizades. Em sua ótica, talvez mais inocente à época, era espantoso que as pessoas tratassem a questão dessa forma, com mau humor. Aliás, tudo para Maria Alice depende de bom e mau humor dos outros. Seu lema é “não gostou, foda-se”. Disse isso muitas vezes para mim. Sempre fugi do ultimato.

De minha parte, sou fiel por não sentir falta de outra mulher, cada um tem seu jeito; Maria Alice, por exemplo, tem o dela, gosta de variar. Então eu passei a esperar, em casa, lendo alguma coisa, ouvindo sambas-canção, enquanto ela estava na noite. No início, a ansiedade parecia insuportável. Com o tempo, a coisa amainou-se, era como aguardar a chegada dela do trabalho, embora parecesse o primeiro encontro. Uma vez ou outra eu parava e repetia a anotação mental para o momento da chegada: “evite perguntas desnecessárias, não demonstre contrariedades (nem entusiasmo, que assim também já é demais), pareça mais moderno do que puro”. Hoje, procuro não incomodá-la com inquisições ou lamentos.

Casamento é assim mesmo, a gente tem que fazer concessões.



Publicado no blog www.malvadezas.com

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