quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Viagem sobre a viagem





Para ele toda viagem guardava uma decepção – a chegada. A emoção estava na véspera, na permanência nos aeroportos e no período do voo. Tudo acabava no desembarque, onde não havia mais nuvens; apenas bagagens rolando na esteira e passageiros apressados.

A viagem começava quando ele comprava a passagem. Gostava dessa observação do escritor Gabriel Garcia Marques. A partir do bilhete na mão, iniciava-se a alegre ansiedade, desde o planejamento minucioso do itinerário e conexões – quanto mais escalas melhor - à arrumação da mala. Dúvidas boas e freqüentes sobre que livro combinava com um saguão lotado e um céu de brigadeiro.

Adorava aeroportos. Garantia que as mulheres eram mais bonitas nos aeroportos, especialmente as passageiras de shortinhos rumo a lugares ensolarados. “Essas vão para Noronha”, dizia baixinho quando deparava com um grupo acima do padrão, com alcinhas de biquíni sob incipientes blusinhas brancas.  No deck, outro espetáculo – o sobe e desce dos aviões, enquanto lia jornais e tomava café. Então voltava ao segundo andar e estava mais uma vez diante da variedade de gente a ser embarcada. Talvez alguém daquela paisagem humana, mudando a cada lote de voos, também pensasse como ele e achasse a voz sensual de Iris Lettieri, anunciando partidas e chegadas, um dos grandes momentos da vida.

Na ala internacional, a intensa mistura de vozes estrangeiras. Suecas e nigerianas numa mesma fila, e ainda por cima lindas, em que outro lugar ele encontraria? Dirigia-se às moças, num inglês precário, pedindo informações desnecessárias, só para ouvi-las falar e ver olhos brilhando de intensa expectativa.

Usufruía ainda mais o aeroporto quando Iris anunciava o atraso de seu voo. Para muitos seria uma contrariedade. Não para ele. Mais tempo para observar a fauna humana, aeromoças apressadinhas arrastando suas malas padronizadas, comandantes altivos e despedidas de cinema.

Depois, o voo em si. A bordo poderia pensar na vida, anotar ideias, ver um filme, ouvir a conversa dos vizinhos, ler a revista de bordo sob o senso spinoziano, ou seja, um milhão de possibilidade a nove mil pés de altura. Como não imaginar quem estava lá embaixo, na região rural de Uberaba, por exemplo, era outra diversão e por isso sempre viajava na janela. Olhava para terra, o mapa gigante, ruazinhas, e de repente um arco-íris, uma tempestade, outro pequeno avião passando ao lado. Gostava, enfim de tudo. Gostava até mesmo das turbulências.

Por fim o pouso triste, a inexplicável pressa das pessoas em sair do avião, a espera das malas e logo o taxi seguiria pelas ruas da cidade, mostrando que ao rés do chão tudo perdia importância.

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