terça-feira, 30 de outubro de 2012

Liga das leitoras




Quando começou a escrever em jornal seu tema era o comportamento dos jovens. A partir dos anos 80, passou por diversas etapas, dos yuppies aos grunges, descreveu os góticos numa matéria que deu chamada na primeira página, entrou no universo punk paulistano, mas um dia cansou dessa besteira toda. Agora escreve para dentro, o que se passa nas tripas e no cérebro, pensamentos alheios à moda, às vezes sexo, como vontade e representação, e está particularmente interessado na morte. Não está à beira da morte. Apenas quer investir no precipício humano e, a partir desse ponto tornar-se escritor dos bons. Não é ainda conhecido do grande público, talvez nunca seja, embora tenha lançado um livro sobre um moribundo em estado de prestação de contas sobre um passado de aventuras e culpas. Vendeu 400 exemplares.

Mesmo assim, o jovem escritor sente-se quase pronto, quase porque resta a dúvida entre ser um dos mais vendidos ou um dos mais idolatrados por uma minoria letrada. Caso escolha o primeiro caso, teria inúmeras vantagens, entre elas a possibilidade de vender os direitos para a TV, ser reconhecido na rua, etc. O inconveniente: silêncio dos suplementos literários sobre sua obra. No fundo não queria ser fácil nem difícil, nem maldito nem midiático e não queria as glórias depois de morto ou, pior ainda, ser ignorado depois de morto.

O que move a alma humana a ilusões dessa natureza? A primeira é a vontade de fazer, a segunda é a vaidade – sonha com elogios de seus pares – e a terceira, no caso dele, receber alguma a atenção do sexo oposto em termos de amor e sexo. Gosta de mulheres e literatura, nesta ordem, e usa o texto para chegar a corações femininos mais sensíveis. Descobriu também o efeito de entrar numa festinha e ganhar olhares diferenciados. A liga das leitoras abriga moças bonitas, desfazendo o preconceito de que só as feias leem. Outra descoberta.

Para manter a chama acesa entre as leitoras, é preciso uma produção constante em blogs e, vez por outra, a transformação de alguma musa em personagem esperta, bem-sucedida e cheia de referências. Elas gostam, ele sabe, e segue a fórmula. O objetivo prático da atividade, no entanto, é camuflado por explicações mais nobres sobre o ato de escrever. Mesmo o que já foi dito pega bem quando oportunamente citado e ele cria para si uma falsa aura de espírito livre e doído, obviamente azeitado por fina ironia e uma dose discreta de niilismo. Tem quase 400 leitoras fixas – talvez as mesmas que compraram seu livro – e insiste na Internet, mesmo sabendo que o território não é digno dos grandes escritores.

Uma vez ou outra se deixa contaminar sinceramente pela incredulidade e o desânimo. Nesses momentos sente-se pequeno, deprimido e alheio. Na última semana esteve preocupado com seu próprio estado ao ler sobre a relação entre criatividade e loucura. Nenhuma novidade, mas ficou preocupado. Platão não via diferença entre a irracionalidade dos loucos e a dos artistas. Em 1891, Cesare Lombroso achava que o ato de criar era uma manifestação patológica. Agora vêm com isso de novo.

Mas são dores que passam rapidamente, sempre, ele deixa pra lá. Logo, volta ao seu mundo, cortejando as leitoras, visitando partes íntimas do universo feminino, no sentido figurado e literal, e não esconde que precisa de carinho e proteção. O sexo é colateral. Hora de aproveitar sensações físicas e uma espécie de amor tão passageiro quanto sincero. Não passa por sua cabeça qualquer imagem aviltante em relação às mulheres e se martiriza quando deixa algumas delas para trás. Poderia ser mais atormentado e recluso, mas se algum desespero toca sua alma, quando sente o desprezo dos críticos por suas páginas, prefere se aninhar no colo de uma leitora - e chorar um pouquinho.

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