domingo, 25 de setembro de 2011

Tempos modernos

Acorda cedo num dia, acorda tarde no outro. Remédio para dormir, remédio para encarar a rotina, remédio para agüentar a existência e outros tantos compridos amarelos, verdes e cor de abacate para não sair por ai, muito eufórico, distribuindo sorrisos gratuitos e comentários impertinentes. A farmacologia ataca por um lado, mas sempre deixa emoções a descoberto, alguns pensamentos sombrios e alegrias descabidas no momento errado. Tantas drogas tornam sua vida num ping-pong entre o entusiasmo descabido e o tédio profundo. Sem contar os efeitos colaterais, combatidos com mais medicamentos, que às vezes aumentam a indiferença pela manhã e provocam agitações noturnas sem motivo aparente.

As emoções humanas mais regulares não se apresentam em situações próprias. Chegam como surto e inquietação. Apaixona-se apenas por ícones inatingíveis para não correr riscos, pois uma das cápsulas, esta quase dourada, impede sentimentos mais profundos em relação a seres próximos. Existe, no entanto, outra medicação, capaz de esconder o vazio da alma e a falta de dimensões no relacionamento com as pessoas. A pílula evita que as coisas se passem apenas no presente, sem perspectiva geométrica, num plano longo e exaustivo. Por sorte, a dor no peito, antes constante, foi apagada da memória por um antidepressivo de quarta geração, cuja literatura médica só adverte para alguns lapsos, pânicos e impulsos suicidas. Em tais situações, ele ingere dois tipos de ansiolíticos, que trabalham em direções opostas, bombardeando neurônios como numa frente de batalha. Nessas horas, ele dorme.

A indústria farmacêutica parece ter cumprido sua parte. Mas o apagão é precário. Logo surgem os pesadelos escatológicos, os gritos de todas as dores do mundo e um despertar recheado daquelas recordações quadro a quadro. Hora de medicar-se de novo para esquecer tudo aquilo, ou pelo menos um pedaço, pois hoje hora marcada com o analista e precisa de assunto.

A busca da cura também o levou a terapias alternativas, à base de chás e outras beberagens, apesar de seu ceticismo. Não funcionou. Precisava de alguma bomba de laboratório, algo sintético, alopatia selvagem. O resultado é que virou um monstro de sete cabeças, mas o que lhe resta de razão sempre lhe conforma: foi o jeito.

Com todos esses sintomas, o homem ainda lê. Além das bulas, com suas reações adversas, precauções e advertências, atenta para um tipo de literatura pouco indicada para seu estado. Os livros despejam mais desespero em sua alma. Os autores prediletos são aqueles tipos pessimistas, cheios de becos sem saída e vidas sem sentido. Então, após percorrer a última página, engole um agente antipsicótico atípico, que interage com uma ampla gama de neurotransmissores, e acalma-se. Sabe que suas angústias permanecem intactas, sob o cimento das drogas, mas aceita o alívio momentâneo como algo bem parecido com felicidade.

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