quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Ela, vinte e poucos anos

O lado mais desagradável da convivência com os jovens era o fato de não ser mais um deles. O professor, no entanto, insistia. Estava sempre nas mesas de bares com alunas e agregadas nascidas depois de sua tese de doutorado em Filosofia na prestigiosa Universidade de Princeton. Por que não procurava sua turma? O problema é que ficava entediado com colegas acadêmicos, divididos entre Fenomenologia e artroses, quase todos vovôs, em vias de embarcar na aposentadoria e, pluft, na morte. Então ele escolheu a galera, extasiado com o sorriso d’Ela, eternamente curioso em mundo que não lhe pertencia. No mais, tinha certa destreza no trato com as meninas: cuidadoso para não parecer insinuante, mas não ao ponto de ser considerado fora de cogitação para o sexo. Sonhava com um caso mais duradouro ou amor eterno. Com Ela, vinte e poucos anos.

Era agraciado com freqüentes convites para programinhas. O professor ia, quase sempre, mesmo certo que as coisas terminariam mais ou menos. Ia pelo processo em si. O apelo visual, o sorriso d’Ela, o gosto de expor suas idéias para tão seleta audiência. Vaidade. Por volta das duas da manhã, quando o jogo ficava fisicamente pesado, o som da festa abafando as palavras, ele se recolhia. Algumas vezes experimentou a continuação da balada e terminou só, num canto, sem expor-se ao ridículo de cair na pista de dança. Saia à francesa. Elas entendiam.

Ao observar que não era páreo para homens e mulheres de vinte e poucos anos que sobrevoavam sensualmente suas moças, também tomava o caminho de casa. Parecia insensível diante de decepções e constrangimentos. Simplesmente desarmava o circo. Depois, numa poltrona de couro, cercado de livros em francês (quase um clichê Hautes Études), apenas fazia um balanço de sua performance na noite sob o ângulo mais positivo. A habilidade cinqüentenária para enrolar baseados – um espetáculo diante dos olhos d’Ela – e as informações sobre bandas antigas cultuadas nos dias de hoje devem ter somado uns seis pontos em sua escala imaginária. Sem contar que passou uns bons minutos discorrendo sobre a obra de Gilles Deleuze e, de quebra, serviu fartas doses de Mario Faustino, Noel Rosa e Psicanálise. Coisinhas caras à moçada urbana com pretensões intelectuais. O abismo etário era deixado de lado, embora seu trabalho mais recente fosse a respeito da passagem do tempo, a velhice e a morte na ótica de Nietzsche.

Cuidou das dores nas costas, comprou roupas adequadas (nem pateticamente juvenis nem explicitamente “tiozinho”) e estava de volta à arena. Naquele dia, o professor teria um encontro apenas com Ela, uma conversa a dois. Melhor de tudo: marcada por Ela, sua obsessão, razão de viver etc. Parecia preparado. Andou lendo Philip Roth, “Homem Comum”, mas não se abalou tanto. Ainda se achava na idade da batalha, não do massacre. Tomou meio Rivotril para conter a ansiedade e, cuidadosamente, acomodou o Viagra no bolso esquerdo. O pequeno míssil azul só seria usado em extremo caso, alerta vermelho. Saiu cheio de esperança e desejo. Romance no horizonte.

Mas a vida no universo juvenil se desfez da forma mais dolorosa possível naquela tarde. Ela queria um emprego, uma vaga no Departamento de Ciências Humanas, nem que fosse na burocracia. Precisava de uma grana para ajudar nas despesas do pequeno apartamento onde iria morar com um namorado. O cara ganhava pouco, era músico, vinte poucos anos.

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