segunda-feira, 7 de março de 2016

Personagens desnecessários XI


Elói

Algumas pessoas fracassadas têm forte autoestima e assim levam a vida, minimizando aqui e ali, como fazia o artista da pequena cidade onde eu nasci. Artista autodenominado, pois todos o conheciam apenas por ser Elói, o coitado, um cara sem emprego. Elói era um homem de diversas artes – da capoeira à literatura -, mas nenhuma delas nunca lhe deu um tostão durante a vida. Tinha muitos planos não realizados – continuam de pé, sempre dizia – e pequenas mentiras incorporadas à verdade no decorrer dos anos. Caso de uma viagem a Paris, nunca feita. Por trás de dele, no entanto, todos lamentavam perversamente sua falta de talento.

Mas as pequenas cidades são generosas, no final das contas.  Hoje existe um busto de Elói diante do paço municipal.

O parto

Os gêmeos nasceram disputando espaço, desde o útero, um tentando deixar o outro para trás na hora do parto, cabeça contra cabeça, uma competição selvagem, batalha de vida ou morte no líquido amniótico. Suspensa as vias naturais, dada a violência da briga, a cesariana tornou-se um espetáculo pavoroso, nunca visto na obstetrícia, pois os bebês se engalfinhavam e quando tinham chance erguiam a mão, em busca de resgate, num choro que parecia grito. Saíram dois estranhos ofegantes, e o primeiro a ser puxado esboçou uma cara de desdém para o segundo, que exibia revolta e estava vermelho de raiva. Como Ares e Hefesto, filhos de Zeus, e Caim e Abel, filhos de Adão, os gêmeos estariam destinados a uma vida de conflito permanente. O médico, no entanto, tranquilizou os pais: “a concorrência é saudável em nossa economia de mercado”.

Claustro


Não havia nada a ver pelo buraco da fechadura. Só uma claridade branca, estourada, equivalente ao escuro em termos de observação de movimentos. Ou pior, pois não se podia lançar uma luz naquele ambiente, uma vez que a luz já estava lá com toda sua força.  O que restava era a casa, a porta, e só era possível olhar para trás, onde estavam os móveis e não havia janelas.

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