terça-feira, 25 de setembro de 2012

Vida interior



Cidades pequenas me deixam angustiado, mas foi o jeito. Depois de vinte anos na capital, perdi o emprego, a mulher e o prumo. Um concurso público me trouxe para este vilarejo sem graça, contra a vontade, longe de tudo.  O pior não é isso. É o medo de virar uma pessoa típica do interior, orgulhosa de coisas pequenas, a construção do açude, por exemplo.  Só sente esse medo quem veio do interior, eu vim, por isso conto as horas, aliás, anos, para sair deste fim de mundo. As pessoas são boas, mas são boas porque são ingênuas. Não dá para conviver com tanta gente boa durante tanto tempo.

Para meu gosto metropolitano é extremamente desagradável encontrar, dias após dia, com Fulaninho da Farmácia e outros tipos, bem marcados por seu ofício, como deveria ser na idade Média. Só falta um Sicrano Ferreiro, como na Idade Média. Às três da tarde, saio da repartição para um café e lá encontro os mesmos assuntos, às vezes discutem sobre as qualidades da bicicleta de alguém ou a novela. Dá saudade de grandes ocorrências urbanas, acidentes do metrô, engarrafamentos gigantes, estréias da semana e café espresso. Aqui não tem espresso.

Dia e noite sonho com a volta. Pela TV vejo a cidade. Homens e mulheres de todas as partes do mundo em circulação frenética, imagens passando a um milhão, como a dos novos programas eleitorais, por vezes um skatista circulando entre engravatados. Nessas horas o que mais incomoda é não poder mais tratar essas coisas como rotineiras. Não, é um espetáculo, talvez o melhor da semana, cujo roteiro praticamente se resume a repartição-casa. Eu não tenha propriamente saudade. Sinto uma necessidade física de me reintegrar imediatamente ao meio do qual sai por puro acidente e de onde nunca deveria ter saído porque é contra a minha natureza.

Domingos e feriados são preenchidos com leituras e noticiários. Olho com inveja pessoas passeando no parque ou fazendo filas nos cinemas. Para completar o quadro há assaltos a bancos, greves, futebol, enfim, a vida. Aqui, ao contrário, é o silêncio do meio dia, apenas o tilintar distante de poucos talheres, nenhuma alma na rua. Depois vem a sesta e o expediente da tarde recomeça, enfim, por volta das quatro. Termina quando o sol se põe, instaurando novo silêncio, apenas o piscado das tevês. Ninguém vive de verdade, vive a vida de personagens das tramas urbanas, vive na TV.

Quando não estou praguejado baixinho, só em minha casa, estou pensando em cenários para minha vida. Vem a transferência, saio daqui, e trato a temporada neste buraco como a pior fase da minha vida. Mas existe outro lado, gritando mais alto, em que permaneço onde estou, resignado por inteiro, sem mais fios ligados à capital, e mais adiante perceberei que estar aqui é melhor, ou pelo menos igual, como deve ser estar em lugar nenhum, não faz a menor diferença ou faz toda a diferença do mundo. Nem pensar sobre isso me dá mais vontade, embora, lá no fundo, eu esteja imensamente acostumado e satisfeito com a situação. 

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