segunda-feira, 9 de julho de 2012

Antigas ocupações




Procuro coisas para fazer em troca de uns trocados. Tenho várias habilidades, nenhuma reconhecida, todas fora de moda, como as de relojoeiro e datilógrafo. Também gravo nomes em canetas Parker, amolo facas, conserto relógios e caixinhas de música. Já fui motorneiro de bonde e ascensorista. Só atividades em vias de extinção ou já extintas, porque não lia sobre as profissões do futuro, nas revistas especializadas, senão estaria em boa situação, exercendo ofícios do século 21. Poderia ser headhunter, especialista em Multi-Level Marketing, homem da Nanotecnologia ou consultor de mídias sociais. Não. Preferi o Liceu de Artes e Ofícios e o eletrotécnico da esquina. Com ele aprendi a pôr em funcionamento tevês quebradas, de todas as polegadas, mas isso foi no tempo das válvulas e hoje só restam as válvulas dos fornos microondas – as magnetron – e não sei abrir esses aparelhos.

Espero, então, pelo resultado do meu anúncio nos classificados do jornal impresso.  Não sei mexer na Internet, já tentei, nem saí do canto. Não consigo usar celulares e ainda tenho um telefone de disco. Preto. Enquanto os clientes não chegam, monto e desmonto o mesmo relógio, um Ômega do meu pai. Sempre no mesmo horário, à tarde. Perfeito, ele aponta três horas e são três horas, funciona bem, desde ontem, quando foi consertado, mas ontem também estava na hora a certa, como sempre esteve.

O relógio é de 1900, uma raridade. Foi o primeiro modelo de pulso da empresa, segundo o catálogo. Policromado, movimento Lépine, caixa em prata com dupla dobradiça, escudo floral branco, parte posterior trabalhada em guilloché e mostrador em esmalte. Abro para ver como é dentro, não resisto e tiro todas as peças, a mola salta, mas remonto novamente, com esmero, e só preciso perguntar as horas, acertar os ponteiros e dar corda. O tic-tac, então volta, preciso, depois de seis horas de trabalho. De minhas profissões inúteis ou fora de época, a de relojoeiro é a mais prezeirosa. Consertar relógios é um passatempo.


O ômega pronto, são nove da noite, passo amolar facas, as mesmas de ontem, ou escrever cartas, datilografadas, sem remetentes, apenas por diversão. Escrevo e guardo. Em seguida, também desfaço a máquina, uma Remington, cujo dono deixou aqui, há alguns anos, e nunca veio pegar de volta. Comprou um computador. Mas vejo uma grande vantagem na máquina – o barulho. Cada letra é um baque, uma pancada no papel, uma letra impressa em tinta que suja os dedos, um sinal de coisa viva.


Quando tenho tempo entro num elevador qualquer, no centro da cidade, e fico subindo e descendo. Eventualmente, pergunto a alguém “qual o andar?” e aperto o botão. Também me divirto com as conversas, e fico misturando os assuntos, os daquele grupo que saiu com o que entrou, e assim por diante. Só não gosto quando o elevador fala. Anuncia o andar, as portas se abrem sem minha ajuda, permaneço em silêncio e descubro outro tempo, fora do meu. Volto para casa, ao relógio, a corda salta...








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