sábado, 11 de fevereiro de 2012

A terapia do precipício

Segui seus passos até o precipício. Ela ainda se encontra lá, relutante, observando a profundidade do buraco e planejando um salto com compostura. Cerca de 100 metros para completar o serviço. Estou bem atrás, conforme as instruções, e mantenho uma inesperada calma; acho que ela não pula e se pular cumpre-se uma etapa. Vale informar que não é a primeira vez. Tornou-se um ritual. No fim ela volta, chora, e passa meses de bem com a vida. Até uma nova crise. Os medicamentos não funcionaram. Só a beira do precipício tem dado resultados – mesmo assim, temporários. Quase duas horas de espera.

Enquanto isso, alterno atenção com descaso. Leio um jornal, o caderno de esportes, mas logo volto as vistas para seu corpo perfeito e para o outro lado do Canyon. A combinação é não dizer uma única palavra. Apenas espero pela decisão. O tratamento é de risco, mas o único. Se não vier aqui se tranca no quarto por uns três dias e, depois disso, começa a bater a cabeça contra a parede. Já teve concussões graves e fraturou o crânio. Nenhuma entidade, privada ou pública, pôde cuidar dela nessas situações. Então viemos para cá e, como sempre, aguardo com otimismo. Não haverá salto; ela só quer olhar, pensar, alisar o cabelo para trás com as duas mãos, num sinal de desespero, e também de dúvida. O que fazer da vida?

A princípio não concordei com a terapêutica, mas é uma indicação psiquiátrica. Heterodoxa, eu sei, mas eficiente. Pelo menos, nesses intervalos, passamos dias felizes, vamos aos restaurantes e cinemas, bebemos todos os vinhos e trepamos com regularidade. Quando sair dali, caminhando para meus braços, sei que será outra mulher. O desespero vai-se embora e ela recitará vários poemas com a cabeça deitada em meu colo.

Digo que não, mas me preocupo. Se ela pular se sentirá ludibriada e depois não saberemos como reagirá. Ficará para sempre entre a demência e os golpes de cabeça contra a parede? Encontrará uma forma de morrer ou será curada com o susto? Lá embaixo, entre as duas margens do canyon, há uma imensa rede, forte e quase invisível. Alpinistas estão a postos para resgatá-la – um deles é médico. Ela não tem conhecimento dessa logística. O tratamento, não previsto no plano de saúde, tem me custado os olhos da cara. Mas vale a pena.

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