sábado, 20 de agosto de 2011

Na prisão

Além de pão e água, nesta cadeia nojenta em que me encontro, preciso de papel e lápis. Algumas idéias me ocorreram quando cheguei aqui, acusado de corrupção, carreira política acabada por um anacronismo jurídico. É sempre assim: usam um como bode expiatório para deleite dos indignados de sempre, moralistas do público e da imprensa, quando a prática é quase uma tradição nacional, um modo de vida das nossas elites e do povaréu, um jeito de fazer as coisas andarem com mais rapidez. Mas não adianta. Mesmo seus aliados nos negócios tidos como escusos vão fazer aquela cara de nojo diante das câmeras, clamarão por CPIs, apurações doam a quem doer e outras coisas da boca para fora. Não paro de pensar naquelas algemas, fotos nos jornais, desmoralização. Por que eu? Quero papel e lápis antes que os ratos comecem a entrar pela minha boca nesta cela úmida. Nada de biografia, por enquanto. É ficção. Não vou voltar ao parlamento, mas planejo uma saída literária deste inferno. Quer dizer, pode ser até que eu volte – a política, como dizem, é dinâmica.

O texto começa a sair. A prisão é real, mas esse laptop não combina com memórias do cárcere, daí o papel e o lápis. Mamãe, coitada, correu para cá com ravióli ótimo e também trouxe a TV e os livros. O pessoal do partido mandou uns intermediários, estão mexendo os pauzinhos, eu acho, mas também preocupados com revelações desnecessárias. Não vou abrir a boca, se é isso que eles temem, e o advogado, um dos melhores da cidade, também desaconselha qualquer movimento brusco. Espero o habeas-corpus e escrevo.

Queria mesmo era um diário, em capítulos, numa revista da moda, antes de lançar o livro pela editora do amigo que ganhou aquela licitação. Fiz um esforço enorme, no ministério, e espero naturalmente uma contrapartida, nesta altura bem pequena, porque nem os tais 15% apareceram. Os jornalistas precisam saber que às vezes é coisa de pai para filho, sem compensações financeiras. A gente também atua por amizade e até por admiração pelo trabalho de certos correligionários. Foi o caso da editora.

Agora que tudo escorreu pelo ralo, só tenho medo da solidão. Não é mais a solidão do poder; é a solidão da ausência de poder, o desprezo, o exílio na fazenda em Goiás, a pérgula vazia da piscina, o celular mudo e mamãe coitada, chorando pelos cantos. Dinheiro não é mesmo tudo na vida. Daria tudo por um tapinha nas costas. Queria mesmo uma sequência de tapinhas nas costas, um beija-mão, aplausos na convenção do partido, um telefonema do governador. Por isso escrevo enquanto espero o habeas-corpus. Tenho medo e pena de mamãe. Por que eu?

Lula Falcão

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