quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cidades

Vivia entre duas cidades, ambas estranhas. Em nenhuma teve infância. Na dos rios, sonhava com a dos grandes prédios e alternava assim sua vida nômade, por necessidade e fuga do tédio. A viagem era como arrastar um barco num rio seco. A chegada causava-lhe dor, assim como a partida. Nas idas e vindas, a paisagem mudava, lá e cá, os costumes variavam, as ausências varriam o que restava de lembranças mais ancestrais. Os amigos foram morrendo – uns aos poucos; outros de repente. Não sobrou muita coisa, exceto os escritos, a mala velha e recortes de jornais. Nas duas cidades viveu intensamente. Depois, tudo virou um quebra-cabeça confuso, com bairros de um canto, ruas de outro; avenidas que já não existem mais, velhos casarões destruídos e quarteirões arrasados. O conjunto formava um terceiro aglomerado urbano, disforme e inconcluso, parecido com os lugares invisíveis de Calvino, mas sem a graça de Isadora, onde “os desejos agora são recordações”.

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